Sober October: grandes descobertas de quem ficou um tempo sem álcool

Abstêmios e questionadores do consumo excessivo de álcool compartilham suas experiências em um mundo pautado pelo consumo de bebidas que alteram a percepção.

 

Um vinho para celebrar uma data especial. Uma cerveja para acompanhar o tão aguardado encontro com os amigos. Um drink para fazer bonito no date. Encher a cara para celebrar, se afogar na cachaça para lamentar. Adubar os momentos com álcool pode, de fato, trazer mais cor e diversão; moralismos não cabem por aqui. Mas será que estamos vivendo uma relação saudável com esse amigo álcool, ou ele virou aquela muleta que você não sabe mais viver sem?


Janeiro, julho e outubro são os meses em que pessoas de diversos países do mundo, principalmente Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, reduzem ou deixam de consumir álcool para refletir sobre como se sentem sem ele. 


O atual mês de outubro é celebrado pelo movimento chamado Sober October, que tem a intenção de incentivar um detox pré-festas de final de ano, normalmente cheias de excessos de comidas e bebidas alcoólicas. São 31 dias sem ou com pouco álcool. Um desafio e tanto em tempos tensos de eleição, acompanhados desse clima de quase verão que já traz a sensação de férias à vista. 


A gente sabe que é difícil, mas não é impossível. A proposta é refletir sobre o excesso de drinks, as ressacas regadas a arrependimento e as vezes em que você prometeu que não ia beber, mas voltou com vários reais a menos e uma dor de cabeça bastante ingrata. 
Se você é do time que quer questionar o consumo, vem com a gente descobrir histórias que podem ajudar na decisão sobre quando você quer mesmo mais um gole, ou está cedendo à força do hábito.

 

Eu não confio em quem não bebe

A frase, normalmente proclamada pelas pessoas menos confiáveis da mesa, é frequentemente encarada como uma brincadeira natural na cultura do álcool. Na realidade, são poucas as pessoas que estão realmente curiosas por saber o porquê que a pessoa x não está bebendo.


Para a psicóloga e psicanalista Raquel Zedan, o fenômeno tem a ver com o receio do olhar do outro. “Quando alguém faz uso da bebida alcoólica como uma maneira de escapar da realidade, mesmo que seja para alcançar um estado de relaxamento e diversão junto a outros amigos, pode se sentir incomodado pela presença de quem está confortável na própria pele sem o uso de entorpecentes. Então, essa pessoa pode pressionar as outras para que beba também”.

A escritora norte-americana Ruby Warrington define “sóbrio curioso” como alguém interessado em descobrir maneiras de viver uma vida divertida e com menos álcool. No livro, a autora compartilha suas experiências e conta como se sentiu pressionada a beber durante esse processo de deixar as bebidas alcoólicas.  

 

A artista e designer Camilla D'Anunziata está há 5 anos sem beber, e conta que demorou para conseguir parar totalmente o consumo porque continuava bebendo por medo de perder amigos e ficar deslocada socialmente. “Eu bebi durante dois anos sem querer beber. O álcool sempre foi muito divertido para mim, sempre foi um lugar de pertencimento”.


Atualmente segura de sua escolha, uma das táticas da Camilla é pegar um drink sem álcool, como um suco de tomate, para que não vire tema durante os momentos de confraternização. Mas tem vezes que não tem jeito. Ela senta à mesa e alguém já passa o briefing para as outras pessoas. “Gente, ela não bebe!”. E logo justificam a amiga para o grupo “A Camilla é careta hoje, mas ela já causou muito”, para que as outras pessoas possam confiar nela. 

Eu bebi durante dois anos sem querer beber

Camila D'Anunziata

Lauanda Varone, atriz e produtora, sempre foi abstêmia. Ela diz sentir muito mais pressão para que beba atualmente do que na adolescência. “As pessoas insistem, ficam curiosas, estranham e insistem para que eu experimente. Elas me dizem só um gole, experimenta, você vai gostar". Sinto que tem uma resistência de quem ainda não me conhece, como se o fato de eu não beber me tornasse a chata do rolê”.


Raquel diz que ainda precisamos de muita conversa e espaço para reflexão para pararmos de reproduzir esses discursos comuns sobre o álcool ser legal e necessário. “É uma questão geracional e geográfica. Ainda há muito incentivo da indústria brasileira para acharmos que o álcool é sinal de status. Ter consciência de quando você não quer beber e poder avisar o amigo que ele está sendo desagradável é maduro e libertador”.

 

A tendência é reduzir o álcool sem interferir na diversão

O consumo de bebidas alcoólicas entre jovens de países como Inglaterra, Estados Unidos, e Alemanha está em queda há mais de 20 anos. Os dados são do Cisa (Centro de Informações sobre Saúde e Álcool). No Brasil, o Ministério da Saúde mostrou que o consumo excessivo de álcool caiu 7% entre 2019 e 2021 entre jovens de 18 a 24 anos.


Danilo Nakamura, conhecido como Sucrilhos, é consultor de bares e restaurantes e mixologista, diz que cada dia mais há clientes em busca de coquetéis pouco ou não alcoólicos, mas observa que no Brasil a busca é pequena porque as pessoas não sabem que têm essa opção.


De acordo com uma pesquisa de 2022 realizada pela Drinkaware, 26% dos jovens de 16 a 24 anos no Reino Unido são totalmente abstêmios. Nós sabemos que abstêmios e naturebas existem desde que o mundo é mundo, mas a novidade é que essa turma tem ganhado adeptos que são jovens e têm vida social ativa.


A pandemia funcionou como uma espécie de túnel do tempo, fazendo com que o boom do estilo de vida saudável crescesse de maneira atípica desde 2020. Além da busca por alimentos orgânicos, aumento das atividades físicas e preferência por produtos locais, as bebidas sem ou com baixa quantidade de álcool cresceram 58% no mercado global de acordo com o Bacardi Cocktail Trends Report, de 2022.
A tendência é estar sóbrio no rolê. 

 

 

O que tem do outro lado

É comum encontrar em sites gringos relatos de pessoas que surfaram a onda da sobriedade nesses meses em que a intenção era só um tempinho sem a bebida e não voltaram mais ao consumo regular. Perceber o controle da ansiedade, redução do cansaço, viço na pele e até aumento da libido são relatos comuns de quem se propôs a atravessar esse caminho nada fácil de dizer não ao álcool.


“Eu queria te dizer que ficar um mês sem beber é muito mais fácil do que você imagina”, conta Nicole Vendramini, fundadora da marca de bem-estar mais querida da internet, a Holistix. Grande questionadora do consumo do álcool, Nicole conta que teve que negociar com ela mesma diariamente quando se propôs o desafio de 30 dias sem álcool, mas que encontrou uma versão dela mesma com muito mais disposição e vitalidade.

Nicole Vendramini e Nathalia Simões, fundadoras da Holistix, com uma garrafa de Kiro nas mãos durante evento da marca Ida
Nicole Vendramini e Nathalia Simões, fundadoras da Holistix, com uma garrafa de Kiro nas mãos durante evento da marca Ida.

Camilla diz que sua vida se tornou muito mais lisérgica e divertida do que talvez as pessoas possam imaginar. “Quando a gente não bebe, passa a desenvolver habilidades que não alcançamos quando estamos entorpecidos. Percebi que as pessoas geralmente se encontram para extravasar, falar mal de quem não está presente, do governo etc. Então eu me perguntei o que é lazer, e descobri que é ficar em paz”.

 

Eu cresci sem questionar o motivo de beber álcool, por Izabella Beck

Cresci sem questionar o motivo de beber álcool. Essa é mais uma daquelas coisas automáticas que a sociedade tem de tão intrínseca e nem passava pela minha cabeça questionar. Comecei a beber pela curiosidade e pela vontade de pertencer, mas, acima de tudo, porque parecia natural. E eu gostei, gostei da sensação de estar leve, de ser mais sociável, de me sentir mais corajosa.

Mas ao mesmo tempo não gostei, não gostava do gosto, não gostava de como meu corpo sempre respondia com dores de cabeça, enjoos e vômitos. Por isso, acho que nunca fui a pessoa que bebe no dia a dia. Não pedia uma cerveja no almoço de domingo, preferia um suco, uma água. Não abria uma garrafa de vinho ao fim de um dia cansativo, preferia me deleitar cozinhando algo gostoso.

Com o passar dos anos, esses sintomas físicos pós bebedeira foram ficando cada vez mais latentes e passei a querer beber menos ainda. Um outro ponto relevante é que sempre preferi voltar pra casa dirigindo, a remota ideia de ter que pegar um carro de aplicativo ao fim da noite, sozinha e embriagada, era um pesadelo pra mim.

Por Izabella Beck, criadora do @furta.co

Assim, fui bebendo cada vez menos. Hoje em dia, reservo o álcool para momentos específicos, como festa ou bar. Não sei se vou voltar a beber mais em algum momento, ou parar de beber completamente, mas acho que o ponto principal é nos questionarmos, assim como é importante fazermos com todos os nossos hábitos socialmente introjetados em nossas vidas.

“Eu gosto de beber?”, “porque eu bebo?”, “isso faz sentido pra mim?”. Essas e mais infinitas perguntas, para que, em vez de apenas cedermos às convenções sociais, possamos viver de uma força que faça mais sentido.

 

Mindful Drinking, por Raquel Zedan*

*Psicóloga, psicanalista e formada em Mildfulness pelo Instituto de Psiquiatria da USP


Para quem deseja estar mais consciente das próprias decisões, um bom começo é a meditação ativa. Calma! Isso não significa que você vai pedir um fitzgerald, fechar os olhos e entoar um mantra.


Quem já conhece o Mindfulness sabe que sua proposta é a prática de se concentrar completamente no presente, colocando atenção plena nas tarefas mais comuns do dia a dia, como escovar os dentes, tomar banho, decidir sobre a alimentação, prestar atenção na mastigação e sabor desses alimentos, por exemplo. Sair do piloto automático.


Mindful Drinking segue a mesma linha: com atenção e reflexão, você pode decidir se quer ingerir (ou não) uma bebida alcoólica!
Essas perguntas te trazem para o momento presente: eu quero tomar essa bebida? Qual o meu objetivo ao tomar essa bebida?

 
É muito fácil apenas se deixar levar pelo grupo e beber porque é sexta, ou é happy hour, mas dizer não por vontade própria pode ser libertador. É possível ter momentos felizes intensificando as sensações ao invés de anestesiá-las, além de entrar em contato com outras versões de si em grupo e encarar de forma mais corajosa o que te incomoda.

 

É tudo sobre autoconhecimento, por Tatiane Pinheiro*

*Criadora de conteúdo sobre bem-estar e Ayurveda no @tati.do.taticas e na newsletter Táticas de Bem Viver

Eu acredito que a dose difere o remédio do veneno.  De acordo com os textos clássicos do Ayurveda, o consumo de um pouquinho de álcool aparece como remédio para questões de saúde pontuais na época.


Há 5 mil anos, quando os conhecimentos do Ayurveda começaram a ser desenvolvidos, a vida era completamente diferente. Voltando ao ano de 2022, quando temos uma rotina muito inflamatória devido ao estresse, poluição, agrotóxico nos alimentos, uma sociedade que usa remédios no dia a dia sem critério, não enxergo espaço saudável para o consumo de álcool, mesmo que seja um pouco, como eu faço.


Eu sou uma workaholic em recuperação, muito conectada às minhas obrigações e deveres, falho muitas vezes em me acolher. Com o álcool, eu me sentia mais pertencente, era como se eu esquecesse, por algumas horas, esse peso que colocava (e às vezes ainda coloco) em mim mesma.


Quando me propus reduzir a quantidade de álcool, passou a ser um exercício: beber somente um pouco, isso se eu, de fato, quiser beber, e observar o meu desconforto nestas situações, calando a vozinha da exigência que me manda voltar para casa, que me manda voltar às minhas obrigações.


Para mim, que sou uma pessoa saudável, uma quantidade pequena de álcool, consumida de vez em quando, não terá o poder de impactar de forma negativa o meu estado geral de bem-estar, devido às boas escolhas diárias que faço. Sendo assim, após qualquer nível de consumo, sugiro que a pessoa se hidrate com água em temperatura ambiente e infusões de ervas, como a erva-doce, semente de coentro e gengibre; reduza o consumo de produtos animais e priorize vegetais cozidos, cereais integrais e frutas.


Também é importante comer de acordo com a fome real, jantar cedo e não sobrecarregar o processo digestivo no geral. Recomendo sempre priorizar o sono de qualidade, fazer alguma atividade física moderada e deixar o corpo colocar todo esse álcool para fora. O corpo é sábio, e se a gente focar em atrapalhá-lo menos, ele nos retribuirá com saúde e bem-estar.


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